Ex-funcionária diz que Facebook incentiva discurso de ódio para lucrar

John Tye, fundador do Whistleblower Aid, organização sem fins lucrativos que representa pessoas que buscam expor ilegalidades em potencial, foi procurada na última primavera (no Hemisfério Norte) por uma mulher que afirmava ter trabalhado para o Facebook.



Essa mulher disse a Tye e sua equipe algo intrigante: ela teve acesso a dezenas de milhares de páginas de documentos internos da maior companhia de redes sociais do mundo. Em uma sequência de ligações telefônicas, ela pediu proteção legal e um caminho para divulgar as informações confidenciais. Tye, que diz ter compreendido a gravidade do que essa mulher trazia em “questão de minutos”, concordou em representá-la, chamando-a pelo codinome Sean.


Ela “é uma pessoa muito corajosa e está assumindo um risco pessoal para fazer com que uma companhia que vale US$ 1 trilhão assuma responsabilidades”, disse Tye. No domingo, Frances Haugen quebrou o anonimato, revelando ser a delatora do Facebook.


Gerente de produto que trabalhou na equipe de desinformação cívica da rede social antes de deixar a companhia em maio, ela usou os documentos que havia reunido para demonstrar o quanto a empresa sabia sobre os danos que estava causando. Com isso, forneceu evidências para legisladores, reguladores e o meios de comunicação.

Em uma entrevista ao “60 minutes”, programa jornalístico da CBS News, Frances, de 37 anos, afirmou: “Eu já conhecia um monte de redes sociais e era substancialmente pior no Facebook do que em qualquer outra que eu tivesse conhecido antes”. E complementou: “O Facebook, repeditamente, mostrou que prefere o lucro à segurança”.
“Havia conflito entre o que era bom para o público e o que era bom para o Facebook, e o Facebook escolheu várias vezes otimizar para seus próprios interesses – como ganhar mais dinheiro”, disse Frances, afirmando que a rede social propositalmente distribuía conteúdos com discurso de ódio. “É mais fácil inspirar as pessoas à raiva do que a outras emoções”.

Frances afirmou, ainda, que não “confiava que eles estivessem dispostos a investir o que realmente precisa ser investido para evitar que o Facebook seja perigoso”.

Ela entregou vários dos documentos ao The Wall Street Journal, que desde o mês passado vem publicando as informações. As revelações — incluindo que o Facebook sabia que o Instagram estava piorando problemas relacionados a imagens corporais entre adolescentes — levantaram críticas vindas de legisladores, reguladores e do público.

Frances Haugen também abriu um processo de delação junto a Securities and Exchange Comission (SEC), o órgão regulador de mercado nos Estados Unidos, acusando o Facebook de enganar os investidores em relação a diversos problemas com comunicados que não correspondiam às ações internas da companhia. Ela também compartilhou partes da documentação com senadores.

O holofote sobre ela deve ficar ainda mais forte. Está marcado para esta terça-feira seu depoimento no Congresso americano sobre o impacto do Facebook em jovens usuários.
Os passos dados pela ex-funcionária da companhia são um sinal do quanto o Facebook está cada vez mais suscetível ao vazamento de informações. Ao se tornar uma gigante com 63 mil funcionários, alguns deles ficaram insatisfeitos com a conduta da empresa, que passa por sucessivas polêmicas sobre privacidade de dados, desinformação e discurso de ódio.

Em 2018, Christopher Wylie, descontente ex-funcionário da Cambrdige Analytica, preparou o terreno para divulgar essas informações sigilosas. Ele falou com o New York Times, o The Observer of London e o The Guardian para relevar que a consultoria havia usado dados do Facebook de forma irregular para elaborar perfis de eleitores sem o consentimento dos usuários da rede social.

No mesmo ano, funcionários do Facebook forneceram comunicados de executivos e documentos internos a outros veículos de imprensa, incluindo o The Times e o BuzzFeed News. Em meados de 2020, empregados da companhia que discordavam da decisão de manter um post controverso feito pelo então presidente Donald Trump ensaiaram fazer uma paralisação virtual e vazaram outras informações.
“Acho que no último ano, houve mais vazamentos do que todos nós desejaríamos”, disse Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, em um encontro com funcionários em junho de 2020.

O Facebook já tentou se antecipar à atuação de Frances Haugen. Na última sexta-feira, Nick Clegg, vice-presidente da companhia para política e assuntos globais, enviou aos empregados um comunicado de 1.500 palavras explicando o que a informante provavelmente diria no “60 minutos”, chamando as acusações de enganosas. No domingo, ele apareceu na CNN defendendo o Facebook, dizendo que a plataforma refletia “o bom, o mau e o feio da humanidade” e que tentava “mitigar o mau e amplificar o bom”.

O site pessoal de Haugen diz que ela defende o monitoramento público das redes sociais. Com um MBA em Harvard, a engenheira de computação trabalhou em algorítimos para Google, Pinterest e Yelp. No Facebook, cuidava de questões de desinformação e democracia, além de atuar em contra-espionagem.

Na ação protocolada junto a SEC é baseada em provas documentais, reunindo comunicados sobre diferentes tópicos, incluindo o papel do Facebook em propagar desinformação após as eleições presidenciais de 2020 e o impacto dos produtos da companhia na saúde mental dos adolescentes. E acusa a companhia de produzir “declarações falsas e omissões relevantes nas declarações aos investidores e potenciais investidores”.

Tye, do Whistleblower Aid, diz que SEC geralmente oferece proteção para delatores corporativos contra retaliações. Caso as dicas dadas pelo informante levem a ações de fiscalização que resultem em multas superiores a US$ 1 milhão, a agência oferece uma fatia de 10% a 30% desse valor ao informante. Procurada, a SEC não se manifestou.

As informações são do IG

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