Fachin vota pela suspensão de despejos dos quilombolas durante a pandemia

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, reconheceu nesta quarta-feira (17) o pedido de suspensão de ações de despejos e remoções de comunidades quilombolas no contexto da pandemia, contido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 742/2020 apresentada pela Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) em setembro de 2020. Fachin sustentou seu voto com argumentos apresentados pelas organizações Terra de Direitos e Educafro, que atuam como amicus curiae no processo, de que a execução deste tipo de ordem judicial pode comprometer medidas de isolamento nos territórios tradicionais que já se encontram em situação de vulnerabilidade.

Em seu voto, Fachin acompanhou a decisão do ministro relator, Marco Aurélio, sobre a criação de um Plano Nacional de Enfrentamento da pandemia da Covid-19 entre a população quilombola. Neste entendimento, ficará estabelecido prazo de 72 horas para que o governo federal crie um grupo de trabalho interdisciplinar, com a Conaq, para elaborar o plano que deve ser entregue em até 30 dias.

Esse voto também dá ao governo prazo de 72 horas para incluir informações de raça e etnia entre os registros de casos da Covid-19 e para a retomada de plataformas públicas de acesso à informação, como os sites que antes traziam as informações do Programa Brasil Quilombola e o monitoramento feito pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Os demais ministros do STF têm até segunda-feira que vem para submeter seus votos ao plenário virtual.

“A decisão do ministro Fachin avançou em um ponto fundamental dos nossos requerimentos, entendendo que ações de reintegração de posse contra essas comunidades podem levá-las a uma situação de ainda maior exposição e vulnerabilidade durante a pandemia da Covid-19”, disse a assessora jurídica popular da Terra de Direitos, Gabriela Gonçalves.

Segundo Gabriela, uma ação de remoção e despejo de comunidades quilombolas durante a pandemia acentuaria ainda mais o quadro de vulnerabilidades sociais destas famílias. “Tendo em vista o baixo percentual de titulação das comunidades quilombolas – apenas 5% das 5.972 localidades quilombolas (dados IBGE) – e a paralisação da política de regularização dos territórios quilombolas”, explicou.

O voto de Fachin divergiu da manifestação do relator da ação, ministro Marco Aurélio, que em julgamento iniciado na sexta-feira (12) admitiu apenas parcialmente as reivindicações feitas pela Conaq, solicitando medidas emergenciais do Estado para conter a pandemia nos territórios tradicionais.

Ao fazer referência às sustentações da Terra de Direitos e Educacafro, Fachin ainda pontuou que o isolamento social, enquanto medida de impedimento para disseminação do vírus, deve permanecer, tendo em vista que as comunidades vulneráveis apresentam maior contágio e letalidade para a doença e que a pandemia não está encerrada.

“A manutenção da tramitação de processos, com o risco de determinações de reintegrações de posse, agravam a situação das comunidades quilombolas, que podem se ver, repentinamente, aglomerados, desassistidos e sem condições mínimas de higiene e isolamento para minimizar os riscos de contágio pelo coronavírus”, apontou Fachin. A manifestação do ministro também diverge dos posicionamentos da Procuradoria Geral da República (PGR) e da Advocacia Geral da União (AGU) de não acolhimento da reivindicação de suspensão de despejos e remoções.

Apoio da ONU

As iniciativas da Terra de Direitos, Conaq, Educafro e outras organizações sociais em defesa das comunidades quilombolas contam com o apoio do Relator Especial sobre Moradia Adequada vinculado ao Alto Comissariado das Nações Unidas (ONU), Balakrishnan Rajagopal. Em documento enviado a Rajagopal no início da pandemia, a Terra de Direitos e o Labá – Direito, Espaço & Política, Laboratório de Pesquisa Interinstitucional da UFRJ, UFPR e UNIFESP denunciaram a ausência de medidas uniformizadas e de validade para todo território nacional que garantiriam a não realização de despejos e remoções de famílias durante a pandemia pelo Estado brasileiro. Na ocasião, Balakrishnan Rajagopal pediu que o Brasil não realizasse despejos no contexto de pandemia.

Passados quase um ano de pandemia e sete meses da recomendação da ONU ao governo brasileiro, o Estado ainda não elaborou medidas unificadas para evitar que famílias, especialmente de grupos vulneráveis como quilombolas, sejam expulsos de seus territórios durante a grave crise epidemiológica pela qual o país passa.

As informações são da assessoria