Filha de um dos maiores abusadores da Igreja da Inglaterra revela impactos, trauma e a luta por transparência


Em meio a um dos casos mais brutais de abuso infantil envolvendo estruturas religiosas britânicas, a história de Fiona Rugg ganha voz própria. Ela é filha de John Smyth QC, apontado como responsável por abusos físicos e sexuais contra cerca de 130 rapazes entre as décadas de 1970 e 1980, apresentados por ele como disciplina espiritual. Rugg, que hoje vive em Bristol, descreve o momento de descobrir a verdade como um choque que reacendeu uma sensação de vergonha por associação e uma dor que se arrasta há anos. Ao falar pela BBC, ela afirma que perdoar não apaga a gravidade do que houve, e que a busca pela verdade é parte de um processo de cura. O relatório Makin, divulgado em 2024, aponta que a condução do caso pela Igreja da Inglaterra facilitou um encobrimento, atrasando a responsabilização. Um dos clérigos envolvidos chegou a admitir que expor o caso poderia causar danos à obra de Deus.


O que o Relatório Makin revela sobre o encobrimento institucional

O documento descreve práticas que minimizavam as denúncias e destacam que a Igreja permitiu que Smyth deixasse o país sem enfrentar autoridades. O Iwerne Trust, grupo ligado a círculos evangélicos, foi responsabilizado por tacitamente abrigar o segredo. Segundo o relatório, oito jovens sofreram juntos cerca de 14 mil chicotadas, um quadro de violência que ficou fora do alcance da Justiça por décadas.


Mais tarde, Smyth esteve no Zimbábue a partir de 1984, apresentado pela família como uma missão nobre. O desfecho de um caso ligado a um acampamento cristão, em que um adolescente de 16 anos morreu pouco depois de chegar, permanece um ponto doloroso na memória pública e da família.

À sombra de um pai admirado: a vida de quem cresceu sob pressão

Rugg recorda uma infância marcada pela vigilância constante, pelo medo de um humor volátil e pela sensação de ter que lidar com um pai ao mesmo tempo admirado e temível. Ela descreve uma dinâmica em que o comportamento dele era a referência para a família, enquanto a comunidade o endeusava, deixando-a insegura quanto ao próprio julgamento.

A filha relata que chegou a confrontar rumores perto do Natal, o que provocou uma explosão de raiva no pai e a percepção de que questionar a integridade dele era sinônimo de traição.

Do Zimbábue aos acampamentos: o rastro de dano emocional

Durante os anos de atuação internacional, Smyth organizou acampamentos que reforçavam comportamentos de nudez imposta e disciplina física, episódios que deixaram marcas profundas entre as vítimas. A sequência de acontecimentos que se seguiu ao retorno à Inglaterra trouxe pouco espaço para a responsabilização jurídica, mesmo após investigações internas que acusaram a prática de violência sistemática.

Em 2018 Smyth recebeu uma intimação para depor, mas faleceu poucos dias depois, sem enfrentar a Justiça. Hoje, Rugg diz sentir que a história serve para que haja responsabilização, transparência e cura, defendendo que o perdão não cancela a dor nem absolve os abusos. Ela exemplifica que a cura envolve reconhecer a verdade e escolher como lidar com ela.