‘Língua Geral Amazônica dos Barés do Alto Rio Negro’ vira documentário

Registrar a língua nativa de um povo indígena e suas histórias é o que o antropólogo amazonense Daniel Tavares pretende com o projeto de desenvolvimento de roteiro do documentário “Os Barés do Alto Rio Negro e a Língua Geral Amazônica”.

Indigenista e pesquisador das questões indígenas na região de Manaus, do Alto Rio Negro e do Alto Rio Solimões, ainda na graduação desenvolveu pesquisas na região de Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira e se interessa bastante pelos processos de revitalização e preservação das línguas indígenas em que estavam, e estão, empenhados diversos povos indígenas do Estado do Amazonas.

“A questão de como Língua Geral Amazônica ou Nheengatu teve um papel preponderante no processo de “conquista” colonial da Amazônia, sendo, durante séculos, a língua mais falada nessa região, e de como de “língua de branco” se converteu em língua nativa da etnia Baré foi sempre uma questão que me intrigou”, disse Tavares.

O nome do idioma deriva das palavras nhe’eng (que significa “língua” ou “falar”) e katu (que significa “bom”).

No Alto e Médio Rio Negro, existe uma importante riqueza cultural e linguística que se exterioriza no emprego de mais de vinte línguas pertencentes a quatro grandes famílias linguísticas: Tukano Oriental, Aruak, Maku e Yanomami.

Segundo Tavares, o livro “Rio Babel – a história das línguas na Amazônia”, do Professor José Ribamar Bessa Freire, foi uma fonte importante para pensar na configuração do projeto, além, claro, do fato de uma integrante da equipe ser uma indígena Baré, não falante do nheengatu, nascida na região do Alto Rio Negro.

Documentário

O projeto tem por finalidade o desenvolvimento de um roteiro documental, longa-metragem, com aproximadamente 45 minutos, classificação livre, que tem por objetivo tratar acerca dos processos civilizatórios levados a cabo na região do Alto Rio Negro, da forma como esses processos afetaram a vida dos indígenas daquela região e de como, hoje, os grupos indígenas vem (re)criando estratégias de afirmação de sua cultura, com especial atenção aos processos de valorização de suas línguas.

A pesquisa para a elaboração de roteiro do documentário conta com depoimentos de mais de 13 (treze) indígenas, dentre os quais 10 (dez) foram realizadas em nheengatu. As entrevistas foram realizadas no município de Santa Isabel do Rio Negro (846 km de Manaus). Foram entrevistados, também, professores da rede pública estadual e municipal de ensino.

Entre os depoimentos há o do indígena do povo Baré e presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Marivelton Barroso Baré, ele acredita que a língua geral permanecerá por muito tempo e tem esperança de manter viva a linguagem do povo indígena.

“É importante passar a língua indígena de geração em geração, além de programas próprios de incentivos como o Departamento de Educação Escolar Indígena da Foirn existente há uma década. Desta forma se criou uma política de educação escolar indígena que acabou sendo modelo para o Brasil inteiro, criar uma metodologia de ensino, ter como matéria uma das línguas faladas da região e poder adotar isso”, disse Barroso.

A professora Marivalda Xavier, que cursa Licenciatura Indígena Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável – Nheengatu na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) na comunidade Cartucho, fala da importância de defender sua monografia em nheengatu e passar esse conhecimento aos alunos.

“Como educadora é muito importante introduzir dentro da sala de aula o nheengatu, assim como o português, inglês e espanhol são importantes, a língua falada na comunidade é importante também, eu ensino a pronúncia e a escrita em nheengatu para meus alunos, para eles entenderem a importância da nossa cultura para nossa comunidade, por isso irei defender a monografia na língua geral”, explicou.

O projeto foi contemplado pelo Programa Cultura Criativa – 2020/Lei Aldir Blanc – Prêmio Encontro das Artes” do Governo do Estado do Amazonas, com apoio do Governo Federal – Ministério do Turismo – Secretaria Especial da Cultura, Fundo Nacional de Cultura.

Gravações

As gravações das entrevistas foram realizadas nos meses de janeiro e fevereiro deste ano, nas comunidades: Piracema, Cartucho e Acariquara, em Santa Isabel do Rio Negro. Em virtude das restrições para o combate ao Covid-19, a equipe de campo foi composta por apenas duas pessoas e seguiram todos os protocolos sanitários necessários à segurança dos indígenas.

Neste processo a equipe teve o apoio e acompanhamento da Secretaria de Saúde do município de Santa Isabel do Rio Negro e da Foirn.

Contribuição para a comunidade

As entrevistas coletadas para pesquisa de elaboração do roteiro serão cedidas para Coordenação Técnica Local da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Santa Isabel do Rio Negro e para a Foirn a fim de comporem o acervo dessas instituições. As filmagens serão entregues também às escolas das comunidades. Após a elaboração do roteiro, Tavares pretende obter recursos via leis de incentivo para a produção do documentário.

“A importância de projetos como este, estão, creio, na possibilidade de se constituírem em espaços para que os sujeitos envolvidos nos processos possam falar e, de alguma maneira, ter suas vozes ouvidas por outras pessoas. Também os registros das histórias de vida dos mais velhos, das suas vivências e reflexões, são por si só, importantes para os próprios grupos indígenas que terão ali mais um registro da trajetória de seus povos”, enfatizou Tavares.

Com informações da assessoria