O recente bloqueio norte-americano a petroleiros vinculados a alvos de sanções elevou o petróleo venezuelano ao centro de uma disputa que combina interesses estratégicos, econômicos e diplomáticos. O recurso continua sendo a principal alavanca interna do governo venezuelano e, ao mesmo tempo, um ativo de interesse para potências externas, o que transforma cada medida — administrativa ou militar — em um fator de risco imediato para a economia do país.
Reservas enormes, produção limitada
A Venezuela detém a maior reserva comprovada do planeta, estimada em torno de 303 bilhões de barris. No papel, esse estoque coloca o país à frente de grandes produtores, mas a maior parte do petróleo venezuelano é extra‑pesada, exigindo tecnologia e investimento elevados para ser convertido em produtos comercializáveis.
Essa combinação de potencial e limitações técnicas se traduz em produção muito abaixo do que seria possível. Nas últimas décadas, a extração encolheu de milhões de barris por dia para níveis bem menores; após um mínimo histórico, houve alguma recuperação recente, mas os volumes permanecem aquém das capacidades geológicas.
Sanções, infraestrutura e rotas alternativas
As medidas restritivas impõem barreiras ao fluxo de capitais, à manutenção de equipamentos e ao acesso a mercados e seguradoras, encarecendo operações. Em resposta, Caracas intensificou acordos com parceiros que aceitam entregas por mecanismos alternativos, notadamente a China, onde parte do petróleo chegou a ser usada como garantia em financiamentos.
Ao mesmo tempo, o petróleo venezuelano conserva uma característica relevante: é compatível com muitas refinarias, sobretudo as da Costa do Golfo dos Estados Unidos. Essa afinidade técnica explica por que Washington monitora de perto as exportações e por que o tema se tornou sensível na agenda de segurança e comércio.
O petróleo nas contas públicas
As receitas do setor continuam sustentando boa parte do orçamento. Em 2024, a estatal de petróleo registrou uma receita expressiva com exportações e parte significativa desse montante foi destinada ao tesouro por meio de impostos e royalties. A venda de hidrocarbonetos responde por uma fatia majoritária das exportações, o que reforça a dependência do país em relação ao setor.
Essa concentração traz duas faces: quando o mercado e os volumes colaboram, o efeito sobre o crescimento e as finanças públicas é imediato; quando ocorrem choques — queda de preços, perda de mercados ou sanções —, o impacto é igualmente rápido e profundo. Estimativas apontam para perdas bilionárias atribuídas ao período de restrições internacionais recentes, um tamanho que supera a maioria dos orçamentos anuais do país.
Consequências econômicas e sociais
A retomada parcial da produção e a receita advinda das exportações contribuíram para uma aceleração do PIB em determinados períodos recentes, com o setor de hidrocarbonetos registrando crescimento acima da média. Ainda assim, essa recuperação não elimina a fragilidade estrutural: investimentos insuficientes em refino, logística e manutenção mantêm a capacidade ociosa.
Além da receita direta, o setor financia importações, programas sociais e parte da infraestrutura. Por isso, qualquer interrupção no fluxo de dólares do petróleo tem efeito em cadeia sobre compras externas, serviços públicos e capacidade de endividamento.
Por que o petróleo é peça-chave na disputa com os EUA
Para os Estados Unidos, o interesse combina motivos técnicos e geopolíticos. Além da compatibilidade do barril venezuelano com refinarias norte‑americanas, o acesso a esses recursos influi no equilíbrio de oferta regional e pode afetar preços domésticos. No tabuleiro internacional, o alinhamento energético entre Caracas e parceiros como a China também é visto por Washington como um elemento de competição estratégica.
Na prática, medidas como bloqueios a embarcações sinalizam intento de pressionar atores ligados ao governo venezuelano, restringindo rotas e encarecendo o comércio. Mas essas ações também aumentam a incerteza para compradores, investidores e prestadores de serviço, perpetuando o círculo de subinvestimento e queda de produção.
O cenário à frente
Qualquer solução duradoura dependerá de três fatores: capacidade de recuperar investimentos e tecnologia para explorar o petróleo extra‑pesado; abertura de canais financeiros e comerciais que reduzam o custo das operações; e uma solução política que diminua a exposição do setor às sanções. Sem avanços nesses pontos, o potencial geológico da Venezuela continuará subaproveitado, mantendo o país vulnerável a choques externos e à dinâmica geopolítica.
Enquanto isso, o petróleo seguirá sendo tanto a principal fonte de receita quanto o ativo que define boa parte das relações internacionais que Caracas tenta manter e contestações que enfrenta no exterior.





