Como Roma ergueu uma estação de metrô sob o Coliseu e transformou achados arqueológicos em um museu subterrâneo


No centro histórico de Roma, a inauguração de uma estação de metrô construída praticamente abaixo do Coliseu reabre o debate sobre como conciliar mobilidade urbana e preservação do patrimônio. A nova infraestrutura não só cria uma ligação profunda na malha da cidade como expõe ao público peças e estruturas que estavam enterradas há séculos, oferecendo uma experiência híbrida entre transporte e museu.


Obras que escavaram três milênios

Durante as escavações para a linha C, equipes encontraram uma sucessão de vestígios que vão da República Romana ao Império: cerâmicas do século II a.C., poços de pedra, baldes e ruínas de instalações domésticas do século I, como piscinas de água fria e banhos. Entre os achados mais significativos está um conjunto de instalações militares, com cerca de 80 metros de extensão, localizado entre 7 e 12 metros de profundidade, cuja planta sugere uso por tropas encarregadas da segurança local.


Parte do material já pode ser visto dentro da própria estação, em vitrines e painéis multimídia que explicam o processo de escavação. A administração responsável planeja inaugurar um espaço museográfico permanente, integrando o trânsito de passageiros com a preservação dos objetos recuperados.

Técnicas de engenharia para proteger o passado

Os engenheiros tiveram de conciliar escavações profundas com a necessidade de não danificar estruturas centenárias acima do solo. Entre as soluções aplicadas estiveram o congelamento controlado do terreno para estabilizá-lo temporariamente e a construção de paredes de concreto — conhecidas como diafragmas sacrificiais — que sustentaram as escavações e foram sendo removidas conforme a obra avançava.

Esses procedimentos permitiram avançar abaixo de marcos sensíveis, como a própria arena do Coliseu, a Coluna de Trajano e a Basílica de Maxêncio, sem comprometer as edificações históricas. Em alguns trechos futuros, os túneis chegarão a profundidades superiores, com trechos previstos para cerca de 48 metros abaixo do nível da rua.

Escala, custos e prazos

A Linha C terá, ao final, aproximadamente 29 km, dos quais cerca de 20 km serão subterrâneos, e a expectativa é de que transporte até 800 mil passageiros por dia. A construção, marcada por paragens e retomadas, já durou décadas e acumulou um elevado custo: o conjunto das estações deve somar em torno de 7 bilhões de euros.

Parte das demoras se deveu à complexidade arqueológica — até agora, mais de meio milhão de artefatos foram recuperados — além de entraves administrativos e limitações de financiamento. A concessionária e órgãos municipais estimam a conclusão total da rede para meados da década que vem, com trechos intermediários programados para entrar em operação antes desse prazo.

Impacto para a cidade e para os visitantes

Ao integrar circulação e acervo, a nova estação promete aliviar o trânsito do centro histórico e oferecer uma via de acesso direto a pontos turísticos, reduzindo deslocamentos de superfície. Para moradores e turistas, a experiência será dupla: deslocar-se mais rapidamente e, ao mesmo tempo, cruzar com fragmentos da vida cotidiana romana preservados no subsolo.

O projeto também levanta questões sobre como gerir e expor achados arqueológicos em obras de infraestrutura, tema que continuará em debate conforme a linha avança sob palácios renascentistas, igrejas e áreas de grande valor patrimonial.