A combinação de desemprego e fome, que se agravaram com a pandemia de Covid, pode ser um dos principais motivos de um crescimento expressivo da população carcerária brasileira. Em dois anos, o total de presos no país aumentou o equivalente a um município de 61 mil habitantes, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em abril de 2020, eram 858.195 pessoas privadas de liberdade contra 919.651 em 13 de maio deste ano, um salto de 7,6%.
É a maior população carcerária já registrada pelos sistemas oficiais do país, como o Infopen, do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), que tem a mais extensa série histórica sobre a lotação de presídios brasileiros. Antes do número totalizado pelo CNJ, o recorde do Infopen era 755 mil presos em 2019.
O CNJ atualiza diariamente o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, que reúne dados de mandados de prisão e das Varas de Execuções Penais.
O cenário nos presídios poderia ser ainda pior porque atualmente há 352 mil mandados de prisão em aberto, sendo 24 mil deles de foragidos. Com a marca de 919 mil presos, o Brasil se mantém no terceiro lugar no ranking dos países que mais prendem no mundo, atrás da China e dos Estados Unidos.
Enquanto o presidente Jair Bolsonaro comemorou, em fevereiro, em suas redes sociais, o fato de ter “menos bandidos levando terror à população”, os especialistas veem a intensificação do encarceramento como um indício de que as coisas não vão bem.
“Esse crescimento reflete um conjunto de falhas. No Brasil, havia uma perspectiva de usar prevenção e repressão à criminalidade. Mas o governo Bolsonaro abandonou qualquer política de segurança. Não pode haver só repressão”, diz o pesquisador Fábio de Sá e Silva, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que atribuiu a quantidade de presos ao aumento no índice dos chamados furtos famélicos, quando pessoas furtam para comer. “Você coloca a polícia na rua e sai prendendo gente que furtou alguma coisa no supermercado porque estava com fome.”
Número é um marco
Segundo o desembargador Mauro Martins, conselheiro do CNJ e diretor da área responsável por contabilizar a população carcerária, a marca de 919 mil presos é, “sem dúvidas”, a maior da história do país.
“Esse é um número assustador. E qual é o efeito disso na segurança pública do Brasil? Não vejo. Não há relação entre encarceramento e melhoria na segurança pública”, afirma ele e destaca ainda que, entre quase um milhão de pessoas encarceradas, 45%, ou aproximadamente 413 mil, são presos provisórios, sem condenação definitiva:
“Acaba virando antecipação de pena. Muitas pessoas estão presas há mais tempo do que ficariam em caso de uma sentença condenatória, ou seja, já cumpriram antecipadamente até uma pena que não foi imposta. É um paradoxo.”
A nova contagem feita pelo CNJ inclui 867 mil homens e 49 mil mulheres. Em 2020, o Brasil tinha 405 presos para cada 100 mil habitantes. Este ano, o número saltou para 434 presos para cada 100 mil habitantes.
Comparativamente, o total de 61.456 pessoas presas nos últimos dois anos, segundo o CNJ, equivale à população de municípios como Mirassol (SP), Floriano (PI) ou Barra do Garças (MT). As cadeias enchem em velocidade maior do que o crescimento populacional. Segundo projeções do IBGE, todo mês, em média, são 125 mil novos habitantes, 0,05% do total do país.
O número de presos também avança mais rápido do que o de vagas em presídios. Segundo o Depen, desde o início da gestão Bolsonaro, foram abertas 12.587 novas vagas para se chegar a um total de 453.942. Ou seja, há mais do que o dobro de presos no país do que espaço disponível em carceragens.
Lei anticrime deu impulso
Para a socióloga Ludmila Ribeiro, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o aumento também é fruto das mudanças do pacote anticrime, que tornou mais rigorosas as regras de progressão de regime. Ela estima que, em dois anos, o Brasil poderá estar perto de ter 2 milhões de presos:
“O tempo médio de encarceramento passou de 3 a 5 anos para 6 a 10 anos. Nesse ritmo, um milhão atingimos ainda este ano. A população carcerária vai crescer absurdamente.”
O Depen contabiliza 692 mil presos porque seus dados vêm de formulários preenchidos à mão por funcionários de unidades prisionais e não incluem presos em delegacias, por exemplo. Já os dados coletados pelo CNJ são abastecidos pelos tribunais e considerados mais próximos da realidade por especialistas.
Em 2019, ao negar a pesquisadores acesso a dados antes detalhados em relatórios que pararam de ser produzidos pelo órgão naquele ano, o Depen alegou que o rodízio de funcionários, imposto pela pandemia, prejudicou o controle interno.
Mulheres no crime
Os dados do Depen, vinculado ao Ministério da Justiça, mostram que o contingente de mulheres encarceradas passou de 5,6 mil, em 2000, para 33 mil em 2021. Segundo o órgão federal, em 2017, quando houve o ápice de presas, 59% tinham sido condenadas por ações ligadas ao tráfico de drogas, ao passo que 8,5% estavam envolvidas em crimes violentos, como homicídio e latrocínio.
No ano passado, o perfil de periculosidade das mulheres começou a mudar: caiu para 57% o total das que estavam encarceradas por tráfico e subiu em 11,6%, segundo o Infopen, as que respondiam por crimes mais graves.
“As mulheres já não realizam só funções burocráticas no crime, mas agem como gerentes. Como os homens estão ficando mais tempo encarcerados, assumem papéis até então masculinos como o de matar”, observa a pesquisadora.
Segundo o CNJ, das 98 mil execuções penais de mulheres no país, entre regime fechado e aberto, 24.273 delas (24%) se referem a assalto à mão armada e 18.832 (19%) a tráfico de drogas. Outras 6.874 (7%) foram presas por homicídio.
As informações são do IG