Alegando razões de segurança, o presidente Jair Bolsonaro (PL) determinou sigilo a 99% dos gastos com cartão corporativo. Mas uma auditoria sigilosa do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou que só de janeiro de 2019, logo após assumir o cargo, até março de 2021, em pouco mais de dois anos de mandato, as faturas do cartão do presidente somaram cerca de R$ 21 milhões.
Os documentos foram obtidos pela Revista Veja, e mostram em detalhes informações que nunca haviam vindo a público. Segundo a publicação, eles foram tabulados minuciosamente em planilhas sem conexão com a internet, e mantidos em um local controlado pela Secretaria-Geral da Presidência no Palácio do Planalto.
Apesar de tentar manter uma imagem de homem simples, Bolsonaro chega a superar em quase todos os quesitos os gastos do seu antecessor, Michel Temer (MDB).
No período, foram gastos R$ 2,6 milhões na compra de alimentos para as residências de Bolsonaro e do vice-presidente, Hamilton Mourão, uma média de R$ 96,3 mil reais por mês. Nos seus dois últimso anos de mandato, temer castou R$ 2,33 milhões, cerca de R$ 97 mil. Os tipos de alimentos comprados, no entanto, não são detalhados.
Outros R$ 2,59 milhões foram utilizados para a alimentação do staff do presidente durante suas viagens pelo país. Temer gastou R$ 1,3 milhão. No quesito combustíveis, a diferença foi de 170% – as despesas do ex-capitão somam R$ 420.500.
Mas foi nas viagens que a maior parte do valor foi empenhado. Segundo a revista, chama atenção do TCU os R$ 16,5 milhões referentes a pagamentos de hospedagem, alimentação e apoio operacional para o presidente, o vice e sua equipe, além de familiares – o que não seria ilegal.
Até os reparos em um jet ski da Marinha utilizado pela comitiva presidencial no Carnaval de 2021 entraram na fatura. Há, ainda, irregularidades na emisssão de notas fiscais para justificar determinadas compras.
Detalhando essas informações no entanto, foi descoberta uma grande rede de caronas aéreas paga com o direito do contribuinte, muitas vezes sem relação alguma com atividades ou eventos oficiais.
Paulo Guedes (Economia), Fábio Faria (Comunicações), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência) são ministros que frequentemente utilizam o avião presidencial para assistir jogos de futebol no Rio de Janeiro ou em São Paulo, passar feriados fora de Brasília, além de outras autoridades, convidados e familiares.
Até André Mendonça, hoje ministro do Superior Tribunal Federal (STF) e ex-advogado-geral da União, e seu filho, estiveram na aeronave. Eles pegaram carona com Bolsoanro para passar o feriado da Proclamação da República, em 2019, no Guarujá. Milton Ribeiro, que foi titular da Educação, viajou para o réveillon de 2021.
Até Roberto Rocha (PTB-MA), responsável pela Corregedoria do Senado, aproveitou a carona de Brasília para São Paulo antes de uma emenda de feriado. Jorge Seif, secretário da Pesca, que de tão próximo de Bolsonaro ganhou o apelido de 05, assim como o dado aos filhos, viajou com o presidente para São Francisco do Sul (SC) em dezembro 2020, em meio ao auge da pandemia, em uma data sem agenda de trabalho. À época, o Brasil recusava a oferta de vacinas.
Segundo os auditores do TCU, “utilização da aeronave presidencial para transportar, em viagens de agenda privada, pessoas que não são seus familiares diretos, bem como pagamento de despesa de hospedagem de pessoas que não são autoridades ou dignitários, sinalizam aproveitamento da estrutura administrativa em benefício próprio. Tais situações afrontam os princípios da supremacia do interesse público, moralidade e legalidade”, diz parte do documento obtido pela revista.
Em 2020, um decreto assinado pelo presidente estabelece que o transporte aéreo de autoridades em aeronaves da Aeronáutica deve ser requerido apenas por emergência médica, segurança ou viagem a sergiço, porém, os aviões foram utilizados até mesmo para transportar convidados do casamento do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em maio de 2019, e o cartão, pago hospedagens para familiares e amigos de Bolsonaro enquanto ele tirava férias no Guarujá no réveillon de 2021.
O processo, que tem como relator o ministro Antonio Anastasia, foi distribuído À Procuradoria-Geral da União e ao Ministério Público do Distrito Federal, além da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados. O documento foi enviado também ao Palácio do Planalto, com a recomendação de que os gastos sejam mais b em controlados e transparentes. Bolsonaro, no entanto, é resistente à essa ideia.
A alegação principal é de que ele vive sob constante ameaça, ideia reforçada por entrevistas dadas pelos seus filhos. Recentemente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que “um ex-militante do PSOL tentou assassiná-lo, o que eleva seu grau de risco de morte, pois a chance de ele ser vítima novamente do ódio da esquerda é grande”.
Usar o avião presidencial para deslocamentos particulares ou de convidados pode configurar crime de improbidade, segundo os auditores do TCU, o que poderia levar as autoridades a perder função pública e os direitos políticos, além de ter que ressarcir os cofres públicos. Desde 2007, o STF entende que o uso de aeronaves da FAB para atividade particular é passível de ser enquadrado como crime de responsabilidade, o que daria margem para a abertura de um processo de impeachment.
Segundo a Veja, os dados vão ser analisados por diferentes instâncias do MP, que podem ou não prosseguir com pedidos de responsabilização. Vale lembrar que os gastos de 2021 e 2022, com a aproximação da campanha, que tendem a crescer, não entraram nessa conta.
As informações são do IG