Adiamento da assinatura do acordo Mercosul-UE: como a pressão de agricultores franceses e italianos atrasa o maior acordo de livre comércio do mundo


Após quase 25 anos de negociação, o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia parecia prestes a entrar em vigor. A assinatura, que a Comissão Europeia planejava selar neste fim de semana, foi adiada para janeiro por pressão de França e Itália, que cobram salvaguardas adicionais para seus agricultores. A confirmação do atraso reforça que, embora o tratado tenha um apoio político sólido em várias frentes, a costura institucional dentro da UE continua sendo o principal obstáculo para o fechamento.


Motivações por trás da resistência dentro da UE

França emergiu como o principal polo de resistência, com o presidente Emmanuel Macron afirmando que não haverá assinatura sem novas salvaguardas para produtores agrícolas franceses. A narrativa política em Paris associa o acordo a riscos de competição com produtos latino-americanos mais baratos e com padrões ambientais distintos, o que alimenta o ceticismo entre agricultores e setores que temem impacto em preços e renda. A Itália, por sua vez, sinalizou disposição para apoiar o tratado apenas se as preocupações de seus produtores forem atendidas, mantendo a expectativa de que a Câmara de Bruxelas e a própria Comissão apresentem respostas rápidas.


Entre os ministros e líderes europeus, há o argumento de que o acordo vai além da pauta agrícola, incluindo setores como indústria, serviços, investimentos, propriedade intelectual e insumos produtivos. Mesmo assim, o componente agropecuário — historicamente sensível em um bloco que busca manter padrões rigorosos — concentra o risco político que pode arrastar ou inviabilizar a ratificação no Conselho Europeu.

O que muda para o Brasil e o Mercosul

Do lado brasileiro, o presidente Lula manteve o tom otimista em conversa com Meloni, destacando que o governo italiano não é contrário ao acordo, apenas enfrenta pressão de agricultores locais. Meloni afirmou estar pronta para assinar assim que as respostas aos agricultores forem dadas, sinalizando uma janela de cooperação que pode se abrir rapidamente se as salvaguardas forem prometidas pelas institutions europeias. A Itália, portanto, pode se alinhar ao consenso europeu em caso de avanços nas garantias, mas o cenário permanece incerto até que haja decisões formais.

Com o apoio de membros relevantes da UE, como Alemanha e Espanha, analistas indicam que há ganhos estratégicos a serem considerados: abrir mercados, compensar impactos de tarifas de terceiros e reduzir dependência de fornecedores externos. Entretanto, sem o aval do Conselho, o tratado permanece suspenso, e a viagem de Ursula von der Leyen ao Brasil para marcar oficialmente a ratificação fica improvável ainda neste ano.

Próximas etapas e como o bloco pode avançar

O processo de aprovação está concentrado no Conselho Europeu, a instância que autoriza formalmente a ratificação. Diferentemente do Parlamento Europeu, que exige maioria simples, o Conselho exige maioria qualificada: o apoio de pelo menos 15 dos 27 países, representando 65% da população da União. Este é o principal entrave institucional que pode frear o avanço, ainda que haja alinhamento entre a Comissão e o Parlamento sobre o conteúdo do acordo. No curto prazo, o adiamento para janeiro deixa espaço para negociações técnicas sobre salvaguardas e para consolidar posições entre Estados-mares do bloco.

Para o Brasil e o Mercosul, o desfecho depende não apenas de condições agrícolas, mas da coordenação entre governos europeus e o que sair do Conselho. Caso a maioria qualificada se posicione a favor, a assinatura pode ocorrer no próximo ciclo, alterando o cenário econômico regional e abrindo caminho para ajustes regulatórios e comerciais em diversos setores.

Impactos além do agro e o que está em jogo

O acordo Mercosul-UE não é apenas uma pauta agrícola: ele engloba indústria, serviços, investimentos, propriedade intelectual e insumos produtivos. A conclusão do tratado promete ampliar o acesso a mercados, diversificar cadeias produtivas e potencialmente reduzir a dependência de cadeias internacionais sensíveis. Por outro lado, o atraso evidencia a complexidade de harmonizar padrões regulatórios entre 27 países, cada um com pressões setoriais e eleitorais próprias. No Brasil, o escrutínio interno sobre custos e benefícios permanece intenso, mas há expectativa de que uma solução viável possa manter abertas as oportunidades de exportação para o maior bloco comercial do mundo.